Nesta última semana de março comemora-se um acontecimento que enche de orgulho e de espírito ufanista o povo cearense. Há 124 anos, a então Província do Ceará tornava-se a pioneira na luta pela abolição da escravatura no Brasil. Vários fatores contribuíram para esse pioneirismo. Numa comparação com outras províncias do país, a terra de José de Alencar não recebeu uma significativa leva de escravos. Algo em torno de 35 mil, vieram do continente africano, principalmente de Angola e Congo. Chegavam com um alto preço para a economia local, baseada na pecuária extensiva, uma atividade que não necessitava de elevada mão-de-obra e que ainda facilitava a fuga dos escravos para o inóspito sertão.
A acentuada crise na economia brasileira, sobretudo no Nordeste, no final do século XIX, agravada ainda mais pelas constantes secas, passou a resultar na venda de escravos para outras regiões do país. Tentando manter o sistema escravocrata no Norte e Nordeste, fazendeiros paulistas conseguiram a proibição legal desse comércio evitando o que aconteceu nos Estados Unidos entre as colônias do Norte e do Sul. Com isso, tornou-se inviável manter escravos nas fazendas cearenses, o que colaborou para o processo de libertação.
No ano de 1868 existia na província uma orientação da Assembléia Legislativa para alforriar escravos, de preferência mulheres e crianças recém-nascidas. Por essa época surgiram sociedades civis de combate à escravidão, como a loja maçônica Fraternidade Cearense e a sociedade Perseverança e Porvir. Em 8 de dezembro de 1880, é fundada em Fortaleza, a Sociedade Cearense Libertadora, entidade formada por 225 sócios republicanos e abolicionistas, que se reuniram na denominada “Sala do Aço”, sob o juramento “matar ou ser morto em bem da abolição”.
Na ocasião do juramento, a sociedade era presidida pelo intelectual cearense, natural de Santana do Acaraú, João Cordeiro. O jornal do grupo, denominado Libertador, denunciava os abusos cometidos contra escravos e organizava manifestações públicas apregoando o fim do tráfico negreiro. Pela grande dificuldade em atracar navios, devido ao mar bravio, a capital cearense era um péssimo ancoradouro, o que fazia dos jangadeiros um elemento de suma importância para a economia local, já que o embarque e desembarque no porto de Fortaleza tinha que ser feito por meio de embarcações pequenas e insubmersíveis conhecidas como jangadas.
A forte campanha abolicionista, em 1881, convenceu os jangadeiros cearenses a não mais realizar o transporte de escravos para terra firme. Sob o lema “No Ceará não se embarcam mais escravos”, o movimento, comandado por Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, ganhou significativa simpatia da população cearense. A manifestação alcança toda a Província, e a Vila do Acarape, atual município de Redenção, que tornou-se, em 1º de janeiro de 1883, durante a visita do jornalista e abolicionista fluminense, José do Patrocínio, a primeira localidade no Ceará a libertar seus escravos, no que foi seguida por Pacatuba, Icó, Baturité, Maranguape, Messejana e Aquiraz, dentre outras.
Tal fato, propiciou, por parte de José do Patrocínio, a denominação da Província do Ceará de “Terra da Luz”. Aliás, Patrocínio fazia-se presente em terras alencarinas atendendo à sugestão do poeta de Aracati, Paula Nei para, segundo Raimundo Girão, em sua obra A Abolição no Ceará, “aconchegar-se ali aos que, sem nenhum temor, combatiam a serpente lérnica da escravidão”.
Em 25 de março de 1884, o imposto sobre a propriedade de escravos na província do Ceará tornou-se maior que seu valor de mercado, contribuindo para acelerar o processo final de abolição. Levantamento do Ministério da Agricultura apontou que, em pouco mais de um ano, mais de 22 mil escravos foram alforriados. Esse fato mereceu as seguintes palavras do jurista, diplomata e abolicionista pernambucano, Joaquim Nabuco: “O que o Ceará acaba de fazer não significa por certo ainda – O BRASIL DA LIBERDADE; mas modifica tão profundamente o BRASIL DA ESCRAVIDÃO, que se pode dizer que a sua nobre província nos deu uma nova pátria. A imensa luz acesa no Norte há de destruir as trevas do Sul. Não há quem possa impedir a marcha dessa claridade”.
A Boa Nova logo chega em todos os rincões do país e deu alento e ânimo aos republicanos, abolicionistas e escravos das demais regiões, que inclusive passaram a ter o Ceará como rota de fuga e certeza de poderem gozar da sonhada liberdade na “Terra da Luz”.
Hino à Redenção da Província
De: Antônio Martins
“Cearenses, cruzados da Glória,
Nossa terra está livre de escravos!
Hoje abriu-se ao escopro da História
O padrão deste povo de bravos.
Vitória! Vitória. Bradai cidadãos!
No lar de Iracema são todos irmãos!
Já não geme algemado no açoite,
Oprimido, infeliz, nosso irmão;
Nem os ventos da trevas da noite
Chora os prantos da vil servidão.
Vitória! Vitória. Bradai cidadãos!
No lar de Iracema são todos irmãos!
A igualdade – esse sonho dourado
Dos fatores da Terra da Luz
Nos aponta no céu constelado
O grande sinal de Jesus!
Vitória! Vitória. Bradai cidadãos!
No lar de Iracema são todos irmãos!
Estas plagas de livre jangada,
De Alencar e de Pedro Pereira
Hão de ser a Canaã inspirada
Da total Redenção Brasileira!
Vitória! Vitória. Bradai cidadãos!
No lar de Iracema são todos irmãos!
Derruiu-se a Bastilha negreira
E a pátria ditosa sorriu:
Começou a Nação Brasileira,
A Igualdade co’a Glória surgiu!
Vitória! Vitória. Bradai cidadãos!
No lar de Iracema são todos irmãos!
Hoje as águias dos livres países
Podem vir adejar no Equador:
Neste céu de iriantes matizes
Só há luz, liberdade e amor!
Vitória! Vitória. Bradai cidadãos!
No lar de Iracema são todos irmãos!
Salve! O’ dia almejado da Glória,
Alvorada do Império da Cruz!
Salve! Aurora da Paz, da Vitória!
Salve! O’ filhos da Terra da Luz!”
A acentuada crise na economia brasileira, sobretudo no Nordeste, no final do século XIX, agravada ainda mais pelas constantes secas, passou a resultar na venda de escravos para outras regiões do país. Tentando manter o sistema escravocrata no Norte e Nordeste, fazendeiros paulistas conseguiram a proibição legal desse comércio evitando o que aconteceu nos Estados Unidos entre as colônias do Norte e do Sul. Com isso, tornou-se inviável manter escravos nas fazendas cearenses, o que colaborou para o processo de libertação.
No ano de 1868 existia na província uma orientação da Assembléia Legislativa para alforriar escravos, de preferência mulheres e crianças recém-nascidas. Por essa época surgiram sociedades civis de combate à escravidão, como a loja maçônica Fraternidade Cearense e a sociedade Perseverança e Porvir. Em 8 de dezembro de 1880, é fundada em Fortaleza, a Sociedade Cearense Libertadora, entidade formada por 225 sócios republicanos e abolicionistas, que se reuniram na denominada “Sala do Aço”, sob o juramento “matar ou ser morto em bem da abolição”.
Na ocasião do juramento, a sociedade era presidida pelo intelectual cearense, natural de Santana do Acaraú, João Cordeiro. O jornal do grupo, denominado Libertador, denunciava os abusos cometidos contra escravos e organizava manifestações públicas apregoando o fim do tráfico negreiro. Pela grande dificuldade em atracar navios, devido ao mar bravio, a capital cearense era um péssimo ancoradouro, o que fazia dos jangadeiros um elemento de suma importância para a economia local, já que o embarque e desembarque no porto de Fortaleza tinha que ser feito por meio de embarcações pequenas e insubmersíveis conhecidas como jangadas.
A forte campanha abolicionista, em 1881, convenceu os jangadeiros cearenses a não mais realizar o transporte de escravos para terra firme. Sob o lema “No Ceará não se embarcam mais escravos”, o movimento, comandado por Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, ganhou significativa simpatia da população cearense. A manifestação alcança toda a Província, e a Vila do Acarape, atual município de Redenção, que tornou-se, em 1º de janeiro de 1883, durante a visita do jornalista e abolicionista fluminense, José do Patrocínio, a primeira localidade no Ceará a libertar seus escravos, no que foi seguida por Pacatuba, Icó, Baturité, Maranguape, Messejana e Aquiraz, dentre outras.
Tal fato, propiciou, por parte de José do Patrocínio, a denominação da Província do Ceará de “Terra da Luz”. Aliás, Patrocínio fazia-se presente em terras alencarinas atendendo à sugestão do poeta de Aracati, Paula Nei para, segundo Raimundo Girão, em sua obra A Abolição no Ceará, “aconchegar-se ali aos que, sem nenhum temor, combatiam a serpente lérnica da escravidão”.
Em 25 de março de 1884, o imposto sobre a propriedade de escravos na província do Ceará tornou-se maior que seu valor de mercado, contribuindo para acelerar o processo final de abolição. Levantamento do Ministério da Agricultura apontou que, em pouco mais de um ano, mais de 22 mil escravos foram alforriados. Esse fato mereceu as seguintes palavras do jurista, diplomata e abolicionista pernambucano, Joaquim Nabuco: “O que o Ceará acaba de fazer não significa por certo ainda – O BRASIL DA LIBERDADE; mas modifica tão profundamente o BRASIL DA ESCRAVIDÃO, que se pode dizer que a sua nobre província nos deu uma nova pátria. A imensa luz acesa no Norte há de destruir as trevas do Sul. Não há quem possa impedir a marcha dessa claridade”.
A Boa Nova logo chega em todos os rincões do país e deu alento e ânimo aos republicanos, abolicionistas e escravos das demais regiões, que inclusive passaram a ter o Ceará como rota de fuga e certeza de poderem gozar da sonhada liberdade na “Terra da Luz”.
Hino à Redenção da Província
De: Antônio Martins
“Cearenses, cruzados da Glória,
Nossa terra está livre de escravos!
Hoje abriu-se ao escopro da História
O padrão deste povo de bravos.
Vitória! Vitória. Bradai cidadãos!
No lar de Iracema são todos irmãos!
Já não geme algemado no açoite,
Oprimido, infeliz, nosso irmão;
Nem os ventos da trevas da noite
Chora os prantos da vil servidão.
Vitória! Vitória. Bradai cidadãos!
No lar de Iracema são todos irmãos!
A igualdade – esse sonho dourado
Dos fatores da Terra da Luz
Nos aponta no céu constelado
O grande sinal de Jesus!
Vitória! Vitória. Bradai cidadãos!
No lar de Iracema são todos irmãos!
Estas plagas de livre jangada,
De Alencar e de Pedro Pereira
Hão de ser a Canaã inspirada
Da total Redenção Brasileira!
Vitória! Vitória. Bradai cidadãos!
No lar de Iracema são todos irmãos!
Derruiu-se a Bastilha negreira
E a pátria ditosa sorriu:
Começou a Nação Brasileira,
A Igualdade co’a Glória surgiu!
Vitória! Vitória. Bradai cidadãos!
No lar de Iracema são todos irmãos!
Hoje as águias dos livres países
Podem vir adejar no Equador:
Neste céu de iriantes matizes
Só há luz, liberdade e amor!
Vitória! Vitória. Bradai cidadãos!
No lar de Iracema são todos irmãos!
Salve! O’ dia almejado da Glória,
Alvorada do Império da Cruz!
Salve! Aurora da Paz, da Vitória!
Salve! O’ filhos da Terra da Luz!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário