MOVIMENTO ESTUDANTIL (1968)
“Depois daquele ano, o mundo não foi mais o mesmo, embora o que a compulsão simplificadora da mídia relembre hoje como 68 tenha sido, na verdade, uma rebelião plural e diversificada. Isto é, vários 68 coincidindo, com as suas peculiaridades locais, em diversos países. O nosso, por exemplo, foi deflagrado quando a Polícia Militar do Rio, então sob o comando do Exército, matou, no restaurante estudantil do Calabouço, em 28 de março, o estudante Edson Luís, que participava com colegas de manifestações pela melhoria da comida e da higiene; a francesa começou quando os universitários de Nanterre resolveram exigir o fim das barreiras que separavam os dormitórios masculino e feminino no campus. Não deixa de ser interessante distinção entre as aflições do terceiro e do primeiro mundos.”
O depoimento acima é de Arthur Poemer, à época com 28 anos e quintanista da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (atual UFRJ), e dá uma mostra do que foi aquele ano histórico no país.
Ao mesmo tempo em que a ditadura militar começava a endurecer a repressão, que chegaria no auge com o advento do Al – 5 em dezembro, o movimento estudantil tomou corpo e passou a ter uma importância fundamental na resistência contra o regime autoritário. Ao mesmo tempo, novas concepções estéticas e comportamentais promoveram uma verdadeira revolução no modo de agir e de pensar do brasileiro, influenciado de forma decisiva a ação política de esquerda.
O estudante citado por Poemer, Edson Luís de Lima Souto, 18 anos, não era exatamente o padrão “classe média” que alguns historiadores dizem ser o tipo de estudante que participava das manifestações célebres de 1968. Nascido em Belém, mudou-se para o Rio de Janeiro e continuou seus estudos secundários no Instituto Cooperativo de Ensino, que funcionava no restaurante Calabouço. E nesse refeitório, ocupado por estudantes, que paraense foi alvejado pela repressão policial e acabou morrendo antes de receber socorro médico. Era 28 de março de 1968 e outras seis pessoas ficaram feridas na ocasião, sendo atendidas no Hospital Souza Aguiar.
Morto, Edson tornou-se um símbolo. Foi levado para a Assembléia Legislativa por estudantes e velado ali mesmo, em cima de uma mesa, onde também foi feita a necropsia. O enterro no cemitério São João Batista, foi procedido por uma passeata que levou o seu corpo até o local. Aproximadamente 50 mil pessoas gritavam: “Mataram um estudante e se fosse seu filho?” e faixas questionam: “Bala mata fome?” e “Os velhos no poder, os jovens no caixão”.
Era o início de uma série de manifestações estudantis que daria uma outra forma à luta política e a resistência contra a ditadura. Naquele ano, oficialmente outras nove pessoas seriam mortas na repressão aos protestos liderados, em sua maioria, por estudantes. No dia 1ª de abril seguinte, nova onda de protestos em função do aniversário daquilo que os militares chamavam de “revolução”. No Rio de Janeiro, um confronto entre policiais e estudantes deixou 56 feridos, sendo 30 policiais. Mas um funcionário da Companhia da Navegação Costeira, David de Souza Meira, e os estudantes de Medicina Jorge Aprígio de Paula foram mortos por policiais que tentavam dispensar manifestantes desarmados. Cogita-se até que David não fazia parte da passeata.
Na manhã do dia seguinte, 2 de abril, foi celebrada na Candelária uma missa em homenagem a Edson Luís, celebrada pelo bispo auxiliar da cidade e mais quinze padres. Já no transcorrer da cerimônia, policiais, fuzileiros navais e agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops)
cercaram a saída da igreja. Um esquadrão da cavalaria da
polícia, armado de sabres, bloqueia os portões. Os padres formam um cinturão de mãos dadas protegendo aproximadamente 2,5 mil pessoas. Conseguem convencer os soldados de que não haveria passeata: Ainda assim, houve perseguição a pequenos grupos de estudantes após a dispersão, mas o pior é evitado.
Além do contexto político brasileiro, o panorama internacional favorecia e inspirava a ação dos estudantes no país. “É fato que as lutas no Brasil uniram-se ao furacão que atravessou o mundo naquele ano: maio em Paris, revoltas estudantis na Alemanha, na Itália e na Inglaterra, movimentos contra a guerra do Vietnã e o racismo nos Estados Unidos, protestos de rua em Tóquio. Também o bloco socialista foi abalado com a invasão da Tchecoslováquia, onde o Partido Comunista local tentava conciliar socialismo com liberdade. E a ofensiva do TeT, o ano novo budista, contra as tropas americanas no Vietnã, mostrou que o trunfo do Vietcong era uma questão de tempo”, avalia o ministro da Comunicação Social Franklin Martins, que estudava Economia e era ligado à Dissidência, uma organização política com base universitária que havia rompido com o Partido Comunista.
Contudo, Martins, que participou ativamente das movimentações, à época, assegura que a ação estudantil no país não era uma mera extensão do que ocorria em outros países.
“Esse turbilhão internacional produziu um caldo de cultura propício para o surgimento e o crescimento do movimento estudantil no Brasil. Mas, nem de longe, a luta por aqui foi um reflexo do que se passava lá fora, tanto que as primeiras grandes manifestações no Rio ocorreriam em fins de março, bem antes, portanto, do Maio francês ou da Primavera de Praga”, esclarece. “Pessoalmente, creio que bem maior, no coração e na mente dos jovens brasileiros, foi o impacto da ofensiva do TeT [ataque lançado pelos nortes-vietnamitas contra as forças estadunidenses e sul-vietnamitas em 31 de janeiro de 1968, na Guerra do Vietnã]. A sensação foi de que, se os vietnamitas podiam vencer a mais poderosa máquina de guerra do mundo, por que o povo brasileiro não poderia derrubar a ditadura.
♫ Menino ♫
(Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)
Quem cala sobre o teu corpo
“Depois daquele ano, o mundo não foi mais o mesmo, embora o que a compulsão simplificadora da mídia relembre hoje como 68 tenha sido, na verdade, uma rebelião plural e diversificada. Isto é, vários 68 coincidindo, com as suas peculiaridades locais, em diversos países. O nosso, por exemplo, foi deflagrado quando a Polícia Militar do Rio, então sob o comando do Exército, matou, no restaurante estudantil do Calabouço, em 28 de março, o estudante Edson Luís, que participava com colegas de manifestações pela melhoria da comida e da higiene; a francesa começou quando os universitários de Nanterre resolveram exigir o fim das barreiras que separavam os dormitórios masculino e feminino no campus. Não deixa de ser interessante distinção entre as aflições do terceiro e do primeiro mundos.”
O depoimento acima é de Arthur Poemer, à época com 28 anos e quintanista da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (atual UFRJ), e dá uma mostra do que foi aquele ano histórico no país.
Ao mesmo tempo em que a ditadura militar começava a endurecer a repressão, que chegaria no auge com o advento do Al – 5 em dezembro, o movimento estudantil tomou corpo e passou a ter uma importância fundamental na resistência contra o regime autoritário. Ao mesmo tempo, novas concepções estéticas e comportamentais promoveram uma verdadeira revolução no modo de agir e de pensar do brasileiro, influenciado de forma decisiva a ação política de esquerda.
O estudante citado por Poemer, Edson Luís de Lima Souto, 18 anos, não era exatamente o padrão “classe média” que alguns historiadores dizem ser o tipo de estudante que participava das manifestações célebres de 1968. Nascido em Belém, mudou-se para o Rio de Janeiro e continuou seus estudos secundários no Instituto Cooperativo de Ensino, que funcionava no restaurante Calabouço. E nesse refeitório, ocupado por estudantes, que paraense foi alvejado pela repressão policial e acabou morrendo antes de receber socorro médico. Era 28 de março de 1968 e outras seis pessoas ficaram feridas na ocasião, sendo atendidas no Hospital Souza Aguiar.
Morto, Edson tornou-se um símbolo. Foi levado para a Assembléia Legislativa por estudantes e velado ali mesmo, em cima de uma mesa, onde também foi feita a necropsia. O enterro no cemitério São João Batista, foi procedido por uma passeata que levou o seu corpo até o local. Aproximadamente 50 mil pessoas gritavam: “Mataram um estudante e se fosse seu filho?” e faixas questionam: “Bala mata fome?” e “Os velhos no poder, os jovens no caixão”.
Era o início de uma série de manifestações estudantis que daria uma outra forma à luta política e a resistência contra a ditadura. Naquele ano, oficialmente outras nove pessoas seriam mortas na repressão aos protestos liderados, em sua maioria, por estudantes. No dia 1ª de abril seguinte, nova onda de protestos em função do aniversário daquilo que os militares chamavam de “revolução”. No Rio de Janeiro, um confronto entre policiais e estudantes deixou 56 feridos, sendo 30 policiais. Mas um funcionário da Companhia da Navegação Costeira, David de Souza Meira, e os estudantes de Medicina Jorge Aprígio de Paula foram mortos por policiais que tentavam dispensar manifestantes desarmados. Cogita-se até que David não fazia parte da passeata.
Na manhã do dia seguinte, 2 de abril, foi celebrada na Candelária uma missa em homenagem a Edson Luís, celebrada pelo bispo auxiliar da cidade e mais quinze padres. Já no transcorrer da cerimônia, policiais, fuzileiros navais e agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops)
cercaram a saída da igreja. Um esquadrão da cavalaria da
polícia, armado de sabres, bloqueia os portões. Os padres formam um cinturão de mãos dadas protegendo aproximadamente 2,5 mil pessoas. Conseguem convencer os soldados de que não haveria passeata: Ainda assim, houve perseguição a pequenos grupos de estudantes após a dispersão, mas o pior é evitado.
Além do contexto político brasileiro, o panorama internacional favorecia e inspirava a ação dos estudantes no país. “É fato que as lutas no Brasil uniram-se ao furacão que atravessou o mundo naquele ano: maio em Paris, revoltas estudantis na Alemanha, na Itália e na Inglaterra, movimentos contra a guerra do Vietnã e o racismo nos Estados Unidos, protestos de rua em Tóquio. Também o bloco socialista foi abalado com a invasão da Tchecoslováquia, onde o Partido Comunista local tentava conciliar socialismo com liberdade. E a ofensiva do TeT, o ano novo budista, contra as tropas americanas no Vietnã, mostrou que o trunfo do Vietcong era uma questão de tempo”, avalia o ministro da Comunicação Social Franklin Martins, que estudava Economia e era ligado à Dissidência, uma organização política com base universitária que havia rompido com o Partido Comunista.
Contudo, Martins, que participou ativamente das movimentações, à época, assegura que a ação estudantil no país não era uma mera extensão do que ocorria em outros países.
“Esse turbilhão internacional produziu um caldo de cultura propício para o surgimento e o crescimento do movimento estudantil no Brasil. Mas, nem de longe, a luta por aqui foi um reflexo do que se passava lá fora, tanto que as primeiras grandes manifestações no Rio ocorreriam em fins de março, bem antes, portanto, do Maio francês ou da Primavera de Praga”, esclarece. “Pessoalmente, creio que bem maior, no coração e na mente dos jovens brasileiros, foi o impacto da ofensiva do TeT [ataque lançado pelos nortes-vietnamitas contra as forças estadunidenses e sul-vietnamitas em 31 de janeiro de 1968, na Guerra do Vietnã]. A sensação foi de que, se os vietnamitas podiam vencer a mais poderosa máquina de guerra do mundo, por que o povo brasileiro não poderia derrubar a ditadura.
♫ Menino ♫
(Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)
Quem cala sobre o teu corpo
consente na tua morte
talhada a ferro e fogo
nas profundezas do corte
que a bala riscou no peito
quem cala morre contigo
mais morto que estás agora
relógio no chão da praça
batendo, avisando a hora
que a raiva traçou no tempo
no incêndio repetindo
o brilho do teu cabelo
quem gira vive contigo.
(Composição em homenagem ao estudante Edson Luís)
no incêndio repetindo
o brilho do teu cabelo
quem gira vive contigo.
(Composição em homenagem ao estudante Edson Luís)
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