sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Nosso Foco...

A música está na alma do Brasil, é uma das formas mais autênticas da expressão do povo e da própria nação e nos leva ao encontro de nós mesmos, descortinando nossa identidade, contribuindo para que venha a lume a nossa própria história, a história da nossa cidade, do nosso estado, do nosso país.
É espantoso constatar que, apesar da riqueza de informações que boa parte das músicas compostas ao longo de nossa história oferecem, elas foram deixadas de lado, descartadas enquanto documentos vivos da história brasileira.
A nossa coluna no Linha Azul faz parte de um projeto que visa resgatar episódios e fatos marcantes da nossa história, retirando do baú musical brasileiro uma canção temática esquecida, uma marchinha genuína do nosso carnaval, um jingle que retrate um momento político brasileiro.
Iniciaremos hoje a análise do contexto histórico de uma grande mulher que foi destaque musical do nosso país: Chiquinha Gonzaga

A História Através da Música
(Chiquinha Gonzaga)

Desde a segunda metade do século XIX, o piano passou a integrar o mobiliário das salas da classe média brasileira. Assim, a venda de músicas em papel impresso para piano foi uma das primeiras formas de divulgação musical, estendendo-se até a virada da década de 20 para a de 30 do século XX. A música popular tinha também no teatro um importante veículo de divulgação. Numa época em que a música estava intimamente ligada à atividade teatral, colocar uma canção numa peça de sucesso era meio caminho andado para o êxito.
Entre os compositores e instrumentistas que se beneficiaram do sucesso no teatro, um nome de grande destaque foi, sem dúvida, o de Chiquinha Gonzaga, uma extraordinária pioneira tanto no campo da música quanto na esfera do comportamento. Integrante de uma família de classe média, escandalizou a sociedade do século XIX ao separar-se de dois maridos e dedicar-se à música de maneira independente, num segmento predominantemente masculino. Graças ao seu talento, superou todas as resistências, pois era exímia pianista e compunha obras tão bonitas quanto inovadoras. Se a música brasileira urbana tem muitos pais, a mãe é uma só: Chiquinha Gonzaga. Foi ela que, em 1899, fez a primeira música composta especialmente para o carnaval, a marchinha Ô abre alas. Chiquinha já estava com 67 anos de idade quando, involuntariamente, provocou uma crise envolvendo o presidente da República e o Senado. No dia 26 de outubro de 1914, o presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca, ofereceu no palácio presidencial uma recepção aos chefes das missões diplomáticas estrangeiras, com a participação da “fina flor” da chamada alta sociedade brasileira. Teria sido uma reunião como outra qualquer se a mulher do presidente, a jovem Nair de Teffé, não tivesse seguido o conselho do compositor Catulo da Paixão Cearense e programado a execução, no violão, de uma das músicas mais famosas de Chiquinha Gonzaga, O corta-jaca, já bastante conhecida do público através do teatro. Para os conservadores, um duplo pecado: música popular numa recepção presidencial e tocada por violão! Logo um violão, um “instrumento de capadócios”, como se dizia na época, e que servia até de agravante para quem era detido pela polícia nas ruas. Se apresentasse nos dedos as marcas características dos violonistas, era imediatamente levado para a cadeia sob a acusação de vadiagem. Os jornais publicaram o escândalo nas primeiras páginas. Os estudantes, parecendo querer demonstrar que nem sempre estão na vanguarda, promoveram manifestações nas ruas, enfrentando, por isso, a repressão do próprio Exército. No Senado Federal, nada menos do que Rui Barbosa soltou o verbo com todos os seus preconceitos. Dirigindo-se ao presidente do Senado, bradou:
“Por que, sr. Presidente, quem é o culpado se os jornais, as caricaturas e os moços acadêmicos aludem ao corta-jaca? Uma das folhas de ontem estampou em fac simile o programa de recepção presidencial em que, diante do corpo diplomático, da mais fina sociedade do Rio de Janeiro, aqueles que deviam dar ao país o exemplo das maneiras mais distintas e dos costumes mais reservados elevaram o corta-jaca à altura de uma instituição social. Mas o corta-jaca de que eu ouvira falar há muito tempo, que vem a ser ele, sr. presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas, nas recepções presidenciais, o corta-jaca é executado com todas as honras da música de Wagner, e não se quer que a consciência deste país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria.”

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