quinta-feira, 5 de junho de 2008

CALDEIRÃO


CALDEIRÃO
O Caldeirão foi uma comunidade messiânica, coletiva e igualitária, surgida no Cariri sob a liderança do beato José Lourenço e destruída em 1937 pelo governo Menezes Pimentel com apoio da Igreja e dos latifundiários.
José Lourenço, paraibano, negro, analfabeto, chegou a Juazeiro do Norte em 1890, sendo aconselhado pelo Padre Cícero a estabelecer-se na região e a trabalhar com algumas famílias de romeiros. Assim arrendou um lote de terra no sítio Baixa Danta.
Em 1914, Lourenço teve as terras invadidas na Sedição de Juazeiro. Nos anos de 1920 envolveu-se na questão do“boi santo” e foi obrigado a deixar o sítio Baixa Danta. Provavelmente no ano de 1926, Padre Cícero acomodou Lourenço e os seguidores no sítio Caldeirão de sua propriedade.
No Caldeirão criou-se uma comunidade semelhante a de Canudos, baseada na religião onde o beato e sua comunidade passam a trabalhar dia e noite. Eles transformam o sítio Caldeirão em um oásis de fartura onde não circulava dinheiro e tudo era de todos. Na seca de 32, por exemplo, quando muitos nordestinos morreram de fome, o Caldeirão alimentou milhares de famílias. Em 1932, a fazenda abrigou retirantes da seca. Nesse ano chegou a comunidade o rio grandense Severino Tavares.
O progresso do Caldeirão assustou a elite. A inveja crescia na mesma proporção que a comunidade aumentava. Os políticos e donos de terras odiavam aquela concentração de trabalhadores livres e fustigavam a opinião pública, fazendo comparações com Canudos. Como o sitio, após a morte de Padre Cícero, ficou em herança para os padres salesianos, as classes dominantes passaram a difamar a comunidade de Lourenço e a igreja teve um álibi perfeito para defenestrar o surgimento de uma nova liderança espiritual, um novo Padre Cícero, uma espécie de comunhão no poder a partir do povo. Em setembro de 1936, os moradores foram expulsos dali pela polícia.
Lourenço e sua gente instalaram-se depois na serra do Araripe e reorganizaram a comunidade. Parte dos sertanejos, liderados por Severino Tavares, queriam vingança e fazendo uma emboscada, mataram alguns policiais.
Enviou-se então, grande contingente policial para a serra do Araripe, massacrando os camponeses em novembro de 1937; mais de mil pereceram, Severino Tavares escapou, sendo morto na Bahia em 1938. “Zé Lourenço”, faleceu em 1946, no Estado de Pernambuco.
O que aconteceu no Caldeirão encerra um ciclo de domínio pessoal e absoluto do Padre Cícero Romão Batista que reinou no Cariri com extensão à capital cearense. Vale salientar, que o prestígio do patriarca do Cariri, teve início a partir do fenômeno, considerado por muitos como milagre, em 1889, quando a hóstia consagrada transformou-se em sangue na boca da Beata Maria de Araújo ao receber a comunhão do Padre Cícero. (A.F.)


COMPOSIÇÕES

“Santa Cruz do Deserto” – Zabumbeiros Cariris
Composição: Amélia Coelho / Beto Lemos
O beato Zé Lourenço
Seguidor do Padre Cícero
Fez seu sonho coletivo
Com coragem e devoção
Tudo era de todos
Na fazenda caldeirão
O beato sofredor
O beato penitente
O beato resistente
O beato acolhedor
Que acolheu os retirantes
De terras distantes
Fugidos da dor
Ê milagre do boi
E o que aconteceu depois
Abriu as portas prá perseguição
Ê do sonho a devastação
O que era gritos de seca
Virou canto e louvação
E na poeira da estrada
Gente assassinada
Me aperta o coração
Uma cruel covardia
Recordo aquele dia
Foi grande a aflição
Ê milagre do boi

E o que aconteceu depois
Abriu as portas prá perseguição
Ê do sonho a devastação
Ouve-se um grito de morte
Acabou-se o caldeirão.

“O Beato Zé Lourenço”(Patativa do Assaré)

Sempre digo, julgo e penso
Que o Beato Zé Lourenço
Foi um líder brasileiro
Que fez os mesmos estudos
Do grande herói de Canudos
Nosso Antônio Conselheiro

Tiveram o mesmo sonho
De um horizonte risonho
Dentro da mesma intenção,
Criando um sistema novo
Para defender o povo
Da maldita escravidão.

Em Caldeirão trabalhava
E boa assistência dava
A todos os operários,
Com sua boa gente
Lutava pacificamente
Contra os latifundiários.

Naquele tempo passado
Canudos foi derrotado
Sem dó e sem compaixão,
Com a mesma atrocidade
E maior facilidade
Destruíram Caldeirão.

Por ordem dos militares
Avião cruzou os ares
Com raiva, ódio e com guerra,
Na grande carnificina
Contra a justiça divina
O sangue molhou a terra.

Porém, por vários caminhos,
Pisando sobre os espinhos,
Com um sacrifício imenso,
Seguindo o mesmo roteiro
Sempre haverá Conselheiro
E Beato Zé Lourenço.

(Composta para o filme “O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto”, de Rosemberg Cariry)

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