sexta-feira, 6 de junho de 2008

A CULTURA NOS ANOS 60 E 70



A CULTURA NOS ANOS 60 E 70
Tomates e vaias, ovos e uivos. Dissonância no palco, discordância na platéia. A platéia está de costas para o palco. Os artistas no palco estão de costas para a platéia. Só o cantor, um poeta franzino, abre o peito e abre a voz: “Mas é isso a juventude que quer tomar o poder? Vocês tem coragem de aplaudir este ano uma música que não teriam coragem de aplaudir no ano passado. São a mesma juventude que vai sempre matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem. Vocês não estão entendendo nada, nada, absolutamente nada...” As vaias viram urros e os urros se tornam ofensas. O poeta segue berrando, sob os “riffs” lancinantes da guitarra: “Vocês estão por fora. Vocês não dão para entender. Mas que juventude é essa? Vocês são igual sabem a quem? Sabem a quem? Aqueles que foram na “Roda Viva” e espancaram os atores. Não diferem em nada deles”. Era 12 de setembro de 1968 e acompanhados pelos Mutantes, Caetano Veloso estava tentando apresentar a canção “É proibido proibir”. A música inscrita no 3º Festival Internacional da Canção, fora inspirada pelos grafites que cobriram os muros de Paris na rebelião estudantil de maio de 68. Ironicamente, a canção prenunciava o início da época em que, no Brasil, se tornaria permitido proibir.
Exatos três meses após aquela apresentação de Caetano e dos Mutantes no teatro da Universidade Católica, em São Paulo, o general Costa e Silva decretou o Al – 5, o ato que permitiria à censura submeter a cultura nacional a uma espécie de lavagem cerebral. Embora atingisse a literatura, o cinema, o teatro e a imprensa, a censura seria especialmente dura com a música. Por quê? Por que desde o sucesso mundial da bossa nova, no início dos anos 60, a música se tornara a manifestação cultural mais vibrante do Brasil. Com o advento da Jovem Guarda, por volta de 1965, a música entraria na era da cultura de massa e logo se associaria à televisão – tanto que não apenas a rebeldia “inocente” do iê-iê-iê de Roberto Carlos (preocupada em “denunciar” que era “proibido fumar” – maconha, presumivelmente) tinha seu próprio programa de TV como também eram as grandes redes de televisão que promoviam festivais como o FIC. Neles, explodiria o choque entre a “música de protesto”, de veia nacionalista, e a música pop, americanizada e supostamente “alienada”.
Embora em breve os militares e seus censores se revelassem bem menos suscetíveis a tais divergências estéticas – podando tanto as canções “nacionalistas” quanto os “exotismos estrangeiros” -, o que levou o público a vaiar Caetano naquela noite foi justamente o confronto entre a juventude “engajada” e de esquerda e a vanguarda artística que Caetano e Gilberto Gil (que logo subiria ao palco para se solidarizar com o amigo e conterrâneo) representavam. Qualquer semelhança entre esse “happening” que saiu pela culatra e a primeira noite da Semana de Arte Moderna em 1922, deixa de ser mera coincidência quando se sabe que, pouco antes, os dois baianos tinham criado o movimento Tropicalista – releitura pop e hippie da Antropofagia de “Marioswald” de Andrade. Baseados em tudo que acontecia de novo e de jovem em um país ainda fervilhante – o Cinema Novo, os experimentalismos do Teatro de Arena e Teatro Opinião, os ecos da bossa nova, a “rebeldia” pop da Jovem Guarda, a cultura televisiva, Chacrinha e as telenovelas, a


poesia concretista, a pintura de Hélio Oiticica -, Caetano e Gil fermentaram a geléia geral brasileira, acima e além da caretice. “Eu e Gil tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas”, continuava Caetano em seu discurso irado, enquanto a massa ululava e os Mutantes faziam gemer as guitarras. “ E vocês?
Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos. Me desclassifiquem junto com Gil (...) Chega!”
Duas semanas depois de Caetano se autodesclassificar, os Mutantes, com roupas escandalosas, e Rita Lee de noiva se apresentaram nas finais do mesmo FIC, no Rio de Janeiro. Mas, então, nem foram vaiados: o povo guardou todos os apupos para “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim, que venceu “Caminhando”, de Geraldo Vandré, em novo desdobramento do choque entre engajamento e lirismo. A TV mostrou tudo, como continuaria fazendo ao longo das décadas que vieram a seguir. Menos de um ano depois, Caetano e Gil(que tinham sido presos pelo governo militar) e Chico Buarque (o mais censurado dos compositores brasileiros) partiam para o exílio na Europa.A bossa nova e o Cinema Novo já tinham ficado velhos, e o Tropicalismo daria os últimos suspiros. Depois deles, o dilúvio de censura. (FSP)

♫ É proibido proibir ♫
(Caetano Veloso)
A mãe da virgem diz que não.
E o anúncio da televisão.
E estava escrito no portão.
E o maestro ergueu o dedo.
E além da porta há o porteiro, sim.
Eu digo não.
Eu digo não ao não.
Eu digo.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
Me dê um beijo, meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estantes, as estátuas
As vidraças, louças, livros, sim
Eu digo sim
Eu digo não ao não
Eu digo
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir

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