terça-feira, 8 de janeiro de 2008

AMPLA, GERAL E IRRESTRITA


Em agosto de 79, foi aprovada a Lei da Anistia. O governo lançou mão de uma estratégia que se aproveitava da linguagem jurídica para anistiar os acusados de “crimes políticos e conexos”. Com o termo “conexos”, a mesma lei contemplou centenas de opositores ao regime, presos e exilados, como também milhares de criminosos por abusos de poder, torturadores e assassinos.
O lento processo de redemocratização – de Geisel a Figueiredo – também teve sua trilha sonora. Desde o início da década de 70, destacou-se nos últimos festivais da Globo uma nova geração de compositores universitários. Dentre eles, Ivan Lins, João Bosco, Aldir Blanc e Luís Gonzaga Júnior, o Gonzaguinha, filho de Luís Gonzaga, “o rei do baião”.
A Globo apostou no talento dessa nova geração e produziu um programa, Som Livre Exportação, aproveitando-os. Gonzaguinha, que depois comporia também eternas canções de amor, não economizava preocupação política em suas letras:
Comportamento Geral (1973)
(Gonzaguinha)
Intérprete: Gonzaguinha

...Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre muito obrigado
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve, pois, só fazer pelo bem da nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um fuscão no juízo final
E diploma de bem-comportado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba e amanhã, seu Zé,
Se acabarem teu carnaval?
Também ilustrativo da oposição ao regime militar neste período (Não traz lema nem divisa) é o samba Plataforma, de João Bosco e Aldir Blanc, gravado em 1977 no disco Tiro de misericórdia:

Não põe corda no meu bloco nem vem com
teu carro chefe
Não dá ordem ao pessoal
Não traz lema nem divisa que a gente não
precisa
Que organizem nosso carnaval
Não sou candidato a nada, meu negócio é
madrugada
Mas meu coração não se conforma
O meu peito é do contra e por isso mete
bronca
Nesse samba plataforma

Por um bloco que derrube esse coreto
Por passistas à vontade, que não dancem o
minueto
Por um bloco sem bandeira ou fingimento
Que balance e abagunce o desfile e o
julgamento
Por um bloco que aumente o movimento
Que sacuda e arrebente o cordão de
isolamento
Não põe no meu
Com a extinção do AI-5 em 79, o ambiente musical começou a relaxar. A cantora baiana Simone, em disco gravado ao vivo no Canecão, Rio de Janeiro, interpretou várias canções de teor político, inclusive Pra não dizer que não falei das flores, o Caminhando, de Vandré. Outro destaque que refletia otimismo era Desesperar jamais, de Ivan Lins e seu parceiro Vítor Martins:

Desesperar jamais
Aprendemos muito nesses anos
Afinal de contas não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo...

...No balanço de perdas e danos
Já tivemos muitos desenganos
Já tivemos muito que chorar

Mas agora acho que chegou a hora
De fazer valer o dito popular:
Desesperar jamais
Cutucou por baixo, o de cima cai
Desesperar jamais
Cutucou com jeito, não levanta mais

Em comemoração à aprovação da Lei da Anistia, Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro compuseram Tô Voltando, gravada também por Simone no mesmo disco:

Pode ir armando o coreto
E preparando aquele feijão preto
Eu tô voltando
Põe meia dúzia de Brahma pra gelar
Muda a roupa de cama
Eu tô voltando
Leva o chinelo pra sala de jantar
Que é lá mesmo que a mala eu vou largar
Quero te abraçar
Pode se preparar porque eu tô voltando...

Nenhum comentário: