terça-feira, 8 de janeiro de 2008

PADARIA ESPIRITUAL


Em 1892, quando 20 gaiatos cismaram de criar a Padaria Espiritual, nem de longe imaginavam que aquela pilhéria era coisa séria. Seria? Os pândegos não arredavam pé no Café Java, espécie de Estoril da Fortaleza de final de século. Quando não estavam por lá, a dar mostras de enxerimento, se dedicavam às artes. Nada mais natural, portanto, que criar uma sociedade literária. Os fins eram pretensiosos, fazer e espalhar cultura, o tal pão do espírito” .
Padaria espiritual (
1892 - 1898) foi um movimento de cunho intelectual fundado em 30 de maio de 1892 no Ceará, cujo lema era "alimentar com pão o espírito dos sócios e da população em geral". A instalação contou com programa escrito por Antônio Sales, o qual foi transcrito em um jornal da então capital federal, o Rio de Janeiro, o que deu notoriedade ao movimento. A cada domingo, um jornalzinho de oito páginas chamado O Pão era "amassado" e fez circular 36 números, até que em dezembro de 1898, depois de 6 anos de atividades, a Padaria fecha.
Estatutos da Padaria Espiritual
Os Estatutos da Padaria Espiritual, escritos muitos anos antes da
Semana de Arte Moderna de 22, deixam claro o caráter pioneiro deste movimento literário modernista, que foi assim o precursor das academias de letras no Brasil. Seguem-se alguns estatutos:
* Fica organizada, nesta cidade de Fortaleza, capital da "Terra da Luz", antigo Siará Grande, uma sociedade de rapazes de Letras e Artes, denominada Padaria Espiritual, cujo fim é fornecer pão de espírito aos sócios em particular, e aos povos, em geral.
* A Padaria Espiritual se comporá de um Padeiro-Mór (presidente), de dois Forneiros (secretários), de um Gaveta (tesoureiro), de um Guarda-livros na acepção intrínseca da palavra (bibliotecário), de um Investigador das Coisas e das Gentes, que se chamará Olho da Providência, e demais Amassadores (sócios). Todos os sócios terão a denominação geral de Padeiros.
* Fica limitado em vinte o número de sócios, inclusive a Diretoria, podendo-se, porém, admitir sócios honorários que se denominarão Padeiros-livres.
* Depois da instalação da Padaria, só será admitido quem exibir uma peça literária ou qualquer outro trabalho artístico que for julgado decente pela maioria.
* O distintivo da Padaria Espiritual será uma haste de trigo cruzada de uma pena, distintivo que será gravado na respectiva bandeira, que terá as cores nacionais.
* As fornadas (sessões) se realizarão diariamente, à noite, à excepção das quintas-feiras, e aos domingos, ao meio-dia.
* Far-se-ão dissertações biográficas acerca de sábios, poetas, artistas e literatos, a começar pelos nacionais, para o que se organizará uma lista, na qual serão designados, com a precisa antecedência, o dissertador e a vítima. Também se farão dissertações sobre datas nacionais ou estrangeiras.
* Essas dissertações serão feitas em palestras, sendo proibido o tom oratório, sob pena de vaia.
* E proibido o uso de palavras estranhas à língua vernácula, sendo, porém, permitido o emprego dos neologismos do Dr. Castro Lopes.
* Os Padeiros serão obrigados a comparecer à fornada, de flor à lapela, qualquer que seja a flor, com excepção da de chichá.
* Aquele que durante uma sessão não disser uma pilhéria de espírito, pelo menos, fica obrigado a pagar no sábado café para todos os colegas. Quem disser uma pilhéria superiormente fina, pode ser dispensado da multa da semana seguinte.
* O Padeiro que for pegado em flagrante delito de plagio, falado ou escrito, pagará café e charutos para todos os colegas.
* É proibido fazer qualquer referência à rosa de Malherber e escrever e escrever nas folhas mais ou menos perfumadas dos álbuns.
* Durante as fornadas, é permitido ter o chapéu na cabeça, exceto quando se falar em Homero, Shakespeare, Dante, Hugo, Goethe, Camões e José de Alencar porque, então, todos se descobrirão.
* Será julgada indigna de publicidade qualquer peça literária em que se falar de animais ou plantas estranhos à Fauna e à Flora brasileiras, como: cotovia, olmeiro, rouxinol, carvalho etc.
* Será preferível que os poetas da "Padaria" externem suas idéias em versos.
* Trabalhar-se-á por organizar uma biblioteca, empregando-se para isso todos os meios lícitos e ilícitos.
* São considerados, desde já, inimigos naturais dos Padeiros - o Clero, os alfaiates e a polícia. Nenhum Padeiro deve perder ocasião de patentear seu desagrado a essa gente.
* Será punido com expulsão imediata e sem apelo o Padeiro que recitar ao piano.
* A Padaria Espiritual obriga-se a organizar, dentro do mais breve prazo possível, um Cancioneiro Popular, genuinamente cearense.
* Publicar-se-á , no começo de cada ano, um almanaque ilustrado do Ceará contendo indicações uteis e inúteis, primores literários e anúncios de bacalhau.
* As mulheres, como entes frágeis que são, merecerão todo o nosso apoio excetuadas: as fumistas, as freiras e as professoras ignorantes.
* O Padeiro que, por infelicidade, tiver um vizinho que aprenda clarineta, pistom ou qualquer outro instrumento irritante, dará parte à Padaria que trabalhará para pôr termo a semelhante suplício.
* Independente das disposições contidas nos artigos precedentes, a Padaria tomará a iniciativa de qualquer questão emergente que entenda com a Arte, com o bom Gosto, com o Progresso e com a Dignidade Humana.

PADARIAL ESPIRITUAL
(Ednardo)

Nessa nova padaria espiritual
Nessa nova palavra de ordem geral
Eu faço o pão do espírito
E você cuida do delito
De comer, de comer
Onde e como cometer
De comer, de comer
Onde e como cometer

Coma tudo, tudo o que você puder
Arrote e coma você mesmo até
Consuma tudo em suma
Definitiva e completamente
Na destruição somente deste absurdo aniquilamento
É talvez surja um outro novo momento
Na destruição somente deste absurdo aniquilamento
É que talvez surja um outro novo momento
Um outro novo momento
Um outro novo momento.

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