terça-feira, 8 de janeiro de 2008

TROPICÁLIA: "EU ORGANIZO O MOVIMENTO, EU ORIENTO O CARNAVAL..."


A Tropicália, ou Tropicalismo, foi um dos mais interessantes desdobramentos da contracultura no Brasil, ocorrendo em paralelo à Bossa Nova e aos trabalhos de Chico Buarque e de Geraldo Vandré. A tropicália discutiu a criação artística num sistema industrial. Centrou-se na vida urbana; extraiu elementos do folclore, incorporou elementos musicais considerados kitsch, como Vicente Celestino, por exemplo; criticou a sociedade de consumo; parodiou clichês, slogans publicitários e estilos; fez colagens verbais, denunciando certa herança oswaldiana e da Geração de 22, como a simultaneidade, a velocidade, a sobreposição de imagens.
Estávamos na “geléia geral brasileira”, como cantava Gilberto Gil. Foram os maestros Rogério Duprat, Júlio Medaglia, Hohagen e Cozzela que orquestraram as canções dos tropicalistas nos festivais e, conhecedores das novas linguagens eletrônicas, inseriram essas músicas em seus próprios arranjos, rompendo as fronteiras entre o popular e o erudito.
Os tropicalistas entraram em contato com o Cinema Novo de Glauber Rocha e com o teatro de José Celso Martinez Corrêa, quando da encenação da peça O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, no Teatro Oficina; conheceram Augusto de Campos e o Concretismo, a poesia e os manifestos de Oswald de Andrade, notadamente o da Antropofagia, que propunha “a devoração crítica da cultura estrangeira”; permitiram a criação, entre nós, de uma arte original, “de exportação”.
Introduziram roupas coloridas, de inequívoco gosto hippie, mas com cores tropicais. O visual excêntrico, os cabelos compridos, eriçados ou escorridos, deram-lhes a fama temporária de “alienados”. Dentre eles, destaca-se Caetano Veloso. Augusto de Campos, no artigo “Qualquer Jóia”, declara:
Depois da grande fase da poesia para ser vista, enfaticamente vista...- a dos anos 50 e 60 – houve um giro, uma mudança de veículo, privilegiando a audição. A poesia para ser ouvida, dos fins dos anos 60. Feita por poetas para serem vistos. Quase todos, pré-, para- ou ex-universitários. O fato é que, a partir desse momento, toda uma geração de poetas das camadas cultas urbanas partiu, decididamente, para o som.[...]
Puxada por Caetano, a poesia-música rompeu as barreiras entre popular e erudito. E se expôs, radicalmente, com todos os riscos, às largas e despreparadas platéias do consumo, levando a um extremo limite a tensão comunicativa entre informação nova e o repertório coletivo de redundâncias. Vivas e vaias. [...] uma arte com parâmetros próprios – ainda que porosa às demais – de uma poesia-ação, que não se faz apenas com palavras, mas com sons, voz, corpo. Poesia mais próxima da conversa que do verso.
Caetano Veloso saiu de Santo Amaro da Purificação, pequeno município baiano onde nasceu, e ainda menino foi para Salvador. Quando a família retornou à terra natal, permaneceu com a irmã mais nova, Maria Bethânia, na capital, um lugar de grande efervescência cultural.
Enquanto cursava a faculdade de Filosofia, Caetano tomou contato com a boêmia intelectual. Por essa época, já conhecia o trabalho de João Gilberto, o Cinema Novo de Glauber, que o fascinava, Gal Costa, Gilberto Gil e o diretor de teatro Álvaro Guimarães, que lhe pediu composições para algumas peças.
Em 1964, Caetano inaugurou o Teatro Vila Velha, em Salvador, com o show “Nós, por Exemplo”, com Gil, Gal, Bethânia, Tom Zé e Carlos Coquejo – o espetáculo mesclava música, leitura de textos e debates. No ano seguinte, partiu com a irmã, para o Rio de Janeiro, onde Bethânia foi convidada a substituir Nara Leão num espetáculo do grupo Opinião – o sucesso estrondoso consagrou a cantora de voz incomum, especialmente por sua interpretação de “Carcará”, do compositor maranhense João do Vale (1934-1996).
Em 1966, Caetano foi premiado no Segundo Festival da Record, com a letra “Um dia” – em 1967, foi a vez de “Alegria, Alegria” (classificada em 4º lugar) e de “Domingo no Parque” (2º lugar), apresentada por Gilberto Gil. Por essa época, o Tropicalismo, Chico Buarque e a música de protesto se encontravam.
Sobre a canção “Alegria, Alegria”, declara Augusto de Campos:
Furando a maré redundante de violas e marias, a letra de Alegria, Alegria traz o imprevisto da realidade urbana, múltipla, fragmentária, captada, isomorficamente, através de uma linguagem nova, onde predominam substantivos-estilhaços da implosão informativa moderna.
Em 1968, Caetano se indispôs com o público durante um show no Teatro da Universidade Católica de São Paulo, o Tuca – passou a gritar o slogan “É proibido proibir!” e num discurso acusou a platéia de “sempre matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem”. Nesse mesmo ano, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Antônio Callado foram presos: ficaram detidos quatro meses no Rio de Janeiro e dois em Salvador. Depois disso, Caetano gravou a fita de um novo disco, com Gil ao Violão, e mandou-a para o maestro Rogério Duprat, em São Paulo, que criou os arranjos. Em 1969, Caetano fez um espetáculo de despedida no Teatro Castro Alves, em Salvador, levando o público ao delírio, e partiu com Gil para um exílio em Londres. De volta ao Brasil, fez shows com Gal e João Gilberto e, mais tarde, com Chico Buarque, rompendo qualquer ranço de rivalidade que pudesse haver entre os trabalhos de ambos.
Em 1976, aconteceu a apresentação de Doces Bárbaros, reunindo os principais nomes do movimento: Gil, Caetano, Gal e Bethânia. Nessa época, cada um deles já havia tomado um rumo próprio – fecundíssimo até nossos dias. Gil veio a ser nomeado ministro da Cultura em 2003, cargo que ainda exerce, durante o segundo mandato de presidente Lula.

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