terça-feira, 8 de janeiro de 2008

ESTE É UM PAÍS QUE VAI PRA FRENTE...


Médici (1969-1974) regeu o governo mais repressivo da história da República brasileira. Os DOI-CODIs (Destacamentos de Operações de Informações – Centros de Operações de Defesa Interna), criados em 1969, centralizaram as práticas de tortura.
Os órgãos de imprensa eram todos censurados, impedidos de mostrar o que acontecia nos porões da ditadura. Ao contrário disso, promoviam campanhas ufanistas para enaltecer o “milagre brasileiro”.
Com apoio de maciço capital estrangeiro, o crescimento econômico acelerado colocou o Brasil entre as maiores economias do mundo sem, contudo, distribuir a renda. A acentuação na concentração de renda foi a estratégia para um capitalismo brasileiro de rápido desenvolvimento adotada pelo ministro da Fazenda, Delfim Neto: “Fazer o bolo crescer para depois dividir”.
A forte propaganda do “milagre” valeu-se de slogans como “Brasil, ame-o ou deixe-o”. “Ninguém segura este país” ou “Este é um país que vai pra frente”. Muito contribuiu para justificar o clima de euforia a conquista do tricampeonato na Copa do Mundo do México, em 1970.

Pra Frente Brasil
(Miguel Gustavo)

Noventa milhões em ação
Pra frente Brasil do meu coração
Todos juntos vamos
Pra frente Brasil
Salve a seleção

De repente é aquela corrente pra frente...

Eu te amo, meu Brasil (1970)
(Dom)
Intérpretes: Os incríveis

Eu te amo, meu Brasil, eu te amo
Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil
Eu te amo, meu Brasil, eu te amo
Ninguém segura a juventude do Brasil...

O Drible

O futebol, que junto com a música é o maior produto brasileiro de exportação, teve estreita ligação com o governo Médici. Na preparação à Copa de 70, o time foi treinado pelo jornalista João Saldanha, substituído na Copa por Zagalo, que, como jogador, participara da conquista das copas de 58 e 62. Quando Zagalo assumiu, convocou alguns jogadores que não estavam na lista de Saldanha, entre eles o folclórico Dario. Saldanha, por sua vez, de volta ao jornalismo, alegou que fora demitido porque Médici, fã declarado de Dario, teria imposto sua escalação. Há inclusive uma lendária frase atribuída a Saldanha: “O presidente escala o ministério dele; quem escala a seleção sou eu”, em resposta a um capitão do exército que supervisionava a seleção para a Copa de 70.
O time da Copa do México era maravilhoso e encantou o mundo. Pelé, no auge de sua forma, aos 29 anos, foi aclamado não só como melhor jogador do mundo em todos os tempos, mas também como o atleta do século – títulos que ostentou até o final do século. Encerrou precocemente a carreira em 1973 – depois a retornaria em 76, jogando nos Estados Unidos, para lá tentar difundir o futebol – e recusou-se terminantemente a participar da Copa de 74 na Alemanha, perdida pelo Brasil. Foi muito criticado por isso na época. Em 99, em entrevista a um programa da TV Bandeirantes, viria a justificar sua atitude alegando que não queria servir para propaganda da ditadura.
Os dribles desconcertantes, a ginga do futebol brasileiro, que Gilberto Freyre compara à capoeira, podem também ser comparados à solução que a música brasileira encontrou para tentar fugir à forte censura. Sem dúvida, uma das maiores vítimas e um dos maiores “dribladores” da censura foi Chico Buarque, como ele mesmo define em sua canção O futebol, de 89: Para tirar efeito igual/Ao jogador/Qual compositor/Para aplicar uma firula exata.
Antes mesmo de Caetano e Gil se exilarem em Londres, em janeiro de 69, Chico e sua mulher, a atriz Marieta Severo, grávida de sete meses, rumaram à Europa para uma temporada de dez dias, quando Chico faria um show em Cannes, na França. Foi aconselhado por amigos e pela família a não regressar ao Brasil.
Chico tinha motivos para se decidir pelo auto-exílio. Edu Lobo já havia deixado o Brasil para estudar orquestração em Los Angeles, Vandré fugira para o Chile e depois para a França – só conseguiu voltar em 73, depois de renegar sua música e declarar apoio ao regime militar. O próprio Chico, logo após o AI-5, foi levado para o I Exército e lá foi interrogado por um general de nome Assunção e pelo Coronel Àtila. Não foi preso provavelmente por ter sido considerado simpático pelo general e por ser torcedor do Fluminense. Além disso, ele era o compositor de Sabiá, antagonista de Pra não dizer que não falei das flores.
“O general me perguntava sobre Roda Viva e eu dizia: “Mas é uma sátira, não tem nada a ver com o governo, é uma crítica ao show business’ . Aí o general insistia: ´Se não tem nada, por que uma hora o sujeito senta e defeca no capacete?´. E eu comigo pensava, puxa o Zé Celso exagerou. Mas também não podia dizer que não era coisa minha.” Mas tarde Chico veio a saber que a tal cena era de outra peça encenada também no Teagro Ruth Escobar, Feira paulista de opinião, de Augusto Boal (Grupo Arena).
“Eles perguntaram umas coisas horrorosas. Diziam: ´O que é que você estava fazendo na passeata de braços dados com aquele crioulo sujo do Gilberto Gil?´Quando saí de lá, mandei pelo Paulinho da Viola, que jogava futebol comigo no campo do Madureira, um recado para o Gil. Até hoje não sei se ele recebeu.” Só na Europa Chico soube da prisão de Caetano e Gil, o que também contribuiu para que a viagem de dez dias durasse catorze meses. O casal morou na Itália, onde a filha nasceu.
Durante o exílio, Chico gravou um disco – Chico Buarque n.º 4 – produzido entre Itália e Brasil. Registrou as canções em gravação caseira. O produtor Manoel Barembeim levou a fita a São Paulo para que César Camargo Mariano fizesse e gravasse o arranjo de orquestração, e Chico pôs a voz em um estúdio em Roma. A canção Agora Falando sério explica o exílio e o oficializa o rompimento de Chico com a imagem de bom moço, conquistada nos tempos de A banda, canção que chegou a ser associada à ditadura, pois foi tema tema de um comercial para alistamento militar.

Agora falando sério
Eu queria não cantar
A cantiga bonita
Que se acredita
Que o mal espanta
Dou um chute no lirismo
Um pega no cachorro
E um tiro no sabiá
Dou um fora no violino
Faço a mala e corro
Pra não ver banda passar...

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