terça-feira, 8 de janeiro de 2008

SECA NO NORDESTE


A distância do Nordeste dos grandes centros de decisão política e administrativa do País, a omissão e a indiferença das autoridades são as causas principais do agravamento dos problemas da seca. Morre-se de fome e de sede quase da mesma forma como se morria há um século em conseqüência de estiagem prolongada.
Pouco mudou no sertão nordestino nesta virada de século. Se existem estradas asfaltadas, cortando seu território árido, se conta com a energia elétrica em vilas e nas grandes propriedades, se há telefone em diferentes pontos, se a televisão é captada inclusive com o auxílio de antenas parabólicas, se as grandes carretas trazem e levam mercadorias no lugar das carroças, se as bicicletas e os automóveis e utilitários de luxo substituem os cavalos até mesmo nas zonas rurais; se existem 303 açudes públicos de médio e grande porte e mais 600 particulares, com possibilidade para armazenar 20 bilhões de metros cúbicos de água; se tudo é realidade moderna, o espectro da miséria, por outro lado, continua a ser um velho retrato do Nordeste.
A seca continua a provocar o desespero, o sofrimento e até a morte por inanição, como antes. Na chamada Grande Seca, transcorrida em 1877 a 1880 as estatísticas revelam ter morrido mais da metade dos 1.785.000 residentes na área nordestina castigada pelo flagelo. A calamidade encontrou a região desprevenida, com apenas a barragem do Cedro em fase de estudos, não obstante as inúmeras comissões criadas para estabelecerem alternativas para amenizar os efeitos dos invernos irregulares.
Nesse ínterim, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e, posteriormente, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste foram criados. Cada autarquia estudou a questão, observou a natureza e desenvolveu ações paliativas. Mas, basicamente, nada mudou e a única novidade no tratamento da matéria foi o aparecimento, ou a constatação científica, da figura do fenômeno El Nino como o responsável principal pelas cheias arrasadoras ou pelas secas causticantes registradas não só no nordeste brasileiro como em vários países.
Se no passado a desgraça da seca era atribuída à vontade de forças espirituais, esse entendimento evoluiu e já se conhece a sua origem natural. A ciência e a tecnologia podem mudar o perfil do fenômeno, como acontece em muitos lugares desenvolvidos. Todavia, enquanto não aparecer a vontade política de substituir esse cenário, os 30% de brasileiros alojados no Nordeste vão padecer esse mal crônico.
Quando são vistas pessoas disputando a sobrevivência com os animais, comendo a mesma comida e bebendo a mesma água, num período tão orgulhoso de grandes conquistas tecnológicas, é um contraste absurdo e humilhante. Não se pode mudar a natureza das coisas: se a maior parte do Nordeste é semi-árido, será impossível transformá-lo num campo fértil. Mas conforma-se com a tragédia humana, suscetível de ser eliminada por medidas econômicas e sociais, é uma atitude passiva difícil de entender.
Muitas pesquisas foram feitas sobre o homem e a seca no Nordeste, enfocando aspectos cartográficos, geológicos, hidrológicos, botânicos, antropológicos, sociológicos, utilizando-se de cientistas brasileiros e estrangeiros, tarefa executada pelo sucessivos governos, sem contudo se chegar a uma solução ideal e definida. O tempo e o dinheiro gastos em tais esforços, sem critério e sem direcionamento, não mudaram a face dessa vasta região ainda com incapacidade de sobreviver dignamente.
É preciso algo mais, além da demagogia política nas ocasiões de clímax do flagelo, como agora. É necessário um programa permanente, a ser executado mesmo nos períodos de chuvas regulares, para compor reservas hídricas e educar as populações sertanejas.

VACA ESTRELA E BOI FUBÁ
Patativa do Assaré

Seu dotô, me dê licença
Pra minha história eu contá
Se hoje eu tou na terra estranha
E é bem triste o meu pená,
Mas já fui muito feliz
Vivendo no meu lugá.
Eu tinha cavalo bom,
Gostava de campeá
E todo dia aboiava
Na portêra do currá
Ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi Fubá.

Eu sou fio do Nordeste,
Não nego o meu naturá
Mas uma seca medonha
Me tangeu de lá pra cá.
Lá eu tinha meu gadinho
Não é bom nem imaginá,
Minha bela linda Vaca Estrela
E o meu belo Boi Fubá,
Quando era de tardezinha
Eu começava a aboiá.
Ê ê ê ê Vaca Estrela
Ô ô ô ô Boi Fubá.

Aquela seca medonha
Fez tudo se trapaiá;
Não nasceu capim no campo
Para o gado sustentá,
O sertão esturricou,
Fez os açudes secá,
Morreu minha Vaca Estrela,
Se acabou meu Boi Fubá,
Perdi tudo quanto tinha
Nunca mais pude aboiá.
Ê ê ê ê Vaca Estrela
Ô ô ô ô Boi Fubá.

E hoje, nas terras do Sú,
Longe do torrão natá,
Quando vejo em minha frente
Uma boiada passá,
As águas corre dos óio,
Começo logo a chorá,
Me lembro da Vaca Estrela,
E o meu lindo Boi Fubá;
Com sodade do Nordeste
Dá vontade de aboiá.
Ê ê ê ê Vaca Estrela
Ô ô ô ô Boi Fubá.



VOZES DA SECA (Luís Gonzaga)



Composição: Luiz Gonzaga / Zé Dantas

Seu doutô os nordestino têm muita gratidão


Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertãoMas doutô uma esmola a um homem qui é são


Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão


É por isso que pidimo proteção a vosmicê


Home pur nóis escuído para as rédias do pudê


Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê


Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cumê


Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage


Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage


Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage


Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage


Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão


Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação!


Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão


Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mãos.

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