terça-feira, 8 de janeiro de 2008

A REVOLTA DA VACINA


A sociedade brasileira passava por profundas transformações. Estava mais complexa e diversificada. As cidades cresciam: expandia-se o parque industrial, vivia-se o surgimento da classe operária e ampliava-se o setor terciário – bancos, comércio e transporte.
O Brasil não era mais só do café.
Em contraponto, a crise social avolumava-se. A insatisfação na sociedade tornava-se cada vez mais forte. Fatos e razões não faltavam para o crescimento do número de descontentes. No governo do presidente Rodrigues Alves (1902 – 1906), o Rio de Janeiro já acumulava graves problemas urbanos e sociais: pobreza, desemprego e doenças.
Milhares de pessoas morriam em conseqüência de epidemias incontroláveis. Doenças como a febre amarela, a peste bubônica e a varíola não poupavam vítimas.
Mesmo diante da situação, e sem qualquer cerimônia, o governo de Rodrigues Alves resolveu modernizar a cidade do Rio de Janeiro, capital da República, indiferente à comoção popular.
O centro da cidade mudava rapidamente. Era o chamado “bota-abaixo”, nome popular dado às reformas conduzidas pelo prefeito Pereira Passos. De acordo com os interesses do presidente, áreas residências inteiras foram destruídas para possibilitar alargamento de ruas, remoção de morros, abertura de praças, reforma do porto e ampliação da rede de água e esgoto. A população foi surpreendida pela reforma, vendo-se inesperadamente expulsa para os bairros periféricos longe do trabalho, nos quais erguia barracos para morar. Multiplicaram-se e cresceram as favelas pelas encostas da cidade: Salgueiro, Mangueira, Saúde, Santo Antônio, e, com elas, o samba.
A promiscuidade urbana, a que foi submetida a população pobre, criava sérios riscos para a saúde pública. As epidemias avançavam. Para combatê-las, o governo contou com a ação enérgica do sanitarista Osvaldo Cruz, diretor de Saúde Pública. Travou-se uma intensa batalha. Os funcionários da saúde tentavam exterminar os insetos e os ratos, que ocupavam as ruas e as casas.
Osvaldo Cruz, preocupado com a gravidade da situação, convenceu o presidente Rodrigues Alves a tornar obrigatória, por lei, a vacinação contra a varíola. No entanto, a população que seria vacinada não recebeu as informações suficientes para entender a urgência e a oportunidade da campanha. Sem maiores esclarecimentos, vários segmentos da sociedade reagiram contra a medida, considerando-a como abuso de direito. Mais uma revolta popular contra o governo ganhava força, ficando conhecida como a Revolta da Vacina.

“A VACINA OBRIGATÓRIA”
(Cançoneta de autor desconhecido)

Anda o povo acelerado
Com horror à palmatória
Por causa dessa lambança
Da vacina obrigatória
Os panacas da sabença
Estão teimando dessa vez
Querem meter o ferro a pulso
Bem no braço do freguês.
Os doutores da higiene
Vão deitando logo a mão
Sem saberem se o sujeito

Quer levar o ferro ou não
Seja moço ou seja velho
Ou mulatinha que tem visgo
Homem sério, tudo, tudo,
Leva ferro que é servido

Quem no braço do Zé Povo
Chega o tipo e logo vai
Enfiando aquele troço
A lanceta e tudo mais
Mas a lei manda que o povo
E o coitado do freguês
Vá gemendo na vacina
Ou então vá pro xadrez

Contam um caso sucedido
Que o negócio tudo logra
O doutor foi lá em casa
Vacinar a minha sogra

A velha como um aviso
Teve um riso contrafeito
E peitou com o doutor
Bem na cara do sujeito
E quando o ferro foi entrando
Fez a velha uma careta
Teve mesmo um chilique
E eu vi a coisa preta
Mas eu disse pro doutor
Vá furando até o cabo
Que a senhora minha sogra
É levada dos diabos

De um casal de namorados
Eu conheço a triste sina
Houve forte reboliço
Só por causa da vacina
A moça que era inocente
E um pouquinho adiantada
Quando foi pra pretoria
Já estava vacinada

Eu não vou nesse arrastão
Sem fazer o meu barulho
Os doutores da ciência
Terão mesmo que ir no embrulho
Não embarco na canoa
Que a vacina me persegue
Vão meter o ferro no boi
Ou nos diabos que os carregue.

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