“Se você tiver uma idéia incrível é melhor fazer uma canção”, já dizia o poeta baiano. A música faz história porque participa desta. Assim, para tentar compreender a música popular cearense dos anos 60 e 70, é preciso entender a história de um movimento cultural e musical que se originou na cidade de Fortaleza, no final dos anos 50, envolvendo o rádio, o teatro, as artes plásticas, a política e os festivais, especialmente a relação entre a música e os músicos e suas experiências de vida. A confluência de movimentos culturais e espaços produtores, no início dos anos 60 – o conservatório, grupos como Cactus e Gruta, os Institutos de Física e de Arquitetura, a Faculdade de Direito, os bares Balão Vermelho, Estoril e Anísio-, foram de fundamental importância para a aproximação entre os jovens artistas e a produção musical.
Os festivais produzidos na segunda metade dos anos 60 – particularmente o IV Festival da Música Popular do Ceará promoverá uma redefinição da sonoridade na produção musical local, com a aproximação entre os antigos e novos artistas – foram decisivos para que os jovens artistas acreditassem nos seus próprios trabalhos, favorecidos também pelos programas de televisão “Porque Hoje é Sábado” e o “Show do Mercantil”, incentivando-os em suas apresentações e no contato com artistas consagrados. Só assim se poderá compreender como esses artistas – conhecidos como “Pessoal do Ceará” – moveram-se em busca do sucesso, vergando os entraves, alçando maior receptividade no mercado fonográfico local e nacional.
IV Festival da Música Popular do Ceará
1º de dezembro de 1968
Teatro José de Alencar, Fortaleza
Música Vencedora
Letra Música
Estilo
1º Nada Sou
Marcus Francisco e Raimundo Fagner
Samba
2º Diálogo do Amor Cantante
Marcus Vale e Isaíra Silvino
Marcha-rancho
3º Canção de Estar Sozinho
Antonio José da Silva e Antônio Silvino da Silva
Serenata
4º Canto Primeiro
Eusélio Oliveira e Lauro Benevides
Toada
5º Maria
César Rousseau de Oliveira
Samba
Raimundo Fagner, ainda menor de idade, sagra-se vencedor do festival - acontecimento que dará início à sua carreira musical. Sobre esse festival Fagner relatou:
Eu comecei em 1968 com Marcus Francisco, fizemos a primeira música, ela ganhou no IV Festival de Música Popular do Ceará. No Teatro José de Alencar, isso pra mim foi muito forte, foi o começo de tudo. (...) Não peguei o pessoal do Cactus, do Gruta eu já peguei em uma viagem. Após ganhar o festival, fui convidado pelo Cláudio Pereira, eu e o Marcus, para irmos à viagem que eles iam todos os anos, da “Capela Sistina”, fomos à Argentina, foi uma viagem maluquíssima, mas para mim foi fantástica...
Fagner ganhou o IV Festival com Nada Sou, canção que, aliás, nunca foi gravada por ele.
Eu não sou eu
Sou enxada no barro do chão
Sou sertão
Eu não sou fé
Sou pecado no corpo fechado
De Lampião.
Sou espada, sou granada, sou toada
Na voz do cansado cantador
No grito do chato agitador
É pensando na morte o que eu peço:
Eu quero de volta o meu ingresso
E o chefe envolvido num processo
No apito da fábrica apitando
Na canção que os meninos vão cantando
Sem saber que cantando vão chorando
Estefânia parou de cantar
Ouço o eco do choro no mar...
No ronco dos carros na sexta
Cabeças de vento em festa
Alguém me pedindo em festa
Alguém me pedindo perdão
Por falar e mandar sem razão
Não aceito motivo, não dou...
Eu não sou eu
Sou panfleto voando e rolando do avião
Eu não sou fé
Sou pecado de amor se expressando na
canção
Sou espada.
Sou granada.
Sou toada.
Eu não sou eu:
Sou um Deus a pedir holocausto de outro
Deus (bis)
Deus a Deus!
Deus a Deus!
Deus a Deus!
Iniciar uma trajetória artística no meio de toda aquela efervescência, logo com sua primeira composição ganhando festival, seria grande estimulo para qualquer um. E os parceiros do Colégio da Piedade, Fagner e Marcus Francisco, não perderam tempo e compuseram outra canção, Luzia do Algodão, inscrevendo-a imediatamente no festival que teria início em seguida, na primeira semana de dezembro de 1968, o I Festival de Música Popular Aqui.
Diante do convite de Pereira para viajar, Fagner exigiu que seu parceiro Marcus Francisco também fosse. Contudo, por ser Fagner menor de idade, Cláudio Pereira foi pessoalmente à sua casa pedir autorização de seu pai, que foi concedida. Essas viagens chegavam a durar cerca de 45 dias em ônibus semi-leito, públicos ou alugados, desprovidos de toilettes. Especialmente na memória de Fagner, o percurso da viagem passou por Salvador, pelo carnaval do Rio de Janeiro, pela festa da Uva em Caxias do Sul, pelo Uruguai e Argentina. Enquanto Cláudio Pereira, em suas reminiscências, revelou que ele alugava o ônibus público, sendo o preço dividido pela maioria e alguns convidados não pagavam, como Fagner e Fausto Nilo. Revelou ainda que, em seu percurso, passaram por Brasília e as cidades históricas de Minas Gerais.
Dessa tríade, universidade, lares e bares, não necessariamente nessa ordem, nasceu o engajamento político da classe média de estudantes cearenses, também nas viagens do Gruta. Além desses espaços, outros representaram a exposição pública e iniciação desses jovens artistas – os programas “Porque Hoje é Sábado”, “Gente Que a Gente Gosta” e “Show do Mercantil”-, levando-os a conhecer nomes consagrados e também o desejo de encarar a condição social de artista, deixando Fortaleza para o eixo Rio de Janeiro – São Paulo (tocando no bandejão da USP, em seguida no programa “Proposta”, de Júlio Lerner), usando os festivais como vitrine na busca do tão esperado sucesso. Particularmente o Festival do Ceub, que teve Fagner como grande vencedor, e o IV Festival Universitário da Música Popular Brasileira, vencido por Belchior, em 1971, foram importantes, abrindo assim maior espaço para que outros compositores, intérpretes e instrumentistas do estado pudessem sobreviver de seus trabalhos.
Colaboração do Prof. Wagner Castro.
Os festivais produzidos na segunda metade dos anos 60 – particularmente o IV Festival da Música Popular do Ceará promoverá uma redefinição da sonoridade na produção musical local, com a aproximação entre os antigos e novos artistas – foram decisivos para que os jovens artistas acreditassem nos seus próprios trabalhos, favorecidos também pelos programas de televisão “Porque Hoje é Sábado” e o “Show do Mercantil”, incentivando-os em suas apresentações e no contato com artistas consagrados. Só assim se poderá compreender como esses artistas – conhecidos como “Pessoal do Ceará” – moveram-se em busca do sucesso, vergando os entraves, alçando maior receptividade no mercado fonográfico local e nacional.
IV Festival da Música Popular do Ceará
1º de dezembro de 1968
Teatro José de Alencar, Fortaleza
Música Vencedora
Letra Música
Estilo
1º Nada Sou
Marcus Francisco e Raimundo Fagner
Samba
2º Diálogo do Amor Cantante
Marcus Vale e Isaíra Silvino
Marcha-rancho
3º Canção de Estar Sozinho
Antonio José da Silva e Antônio Silvino da Silva
Serenata
4º Canto Primeiro
Eusélio Oliveira e Lauro Benevides
Toada
5º Maria
César Rousseau de Oliveira
Samba
Raimundo Fagner, ainda menor de idade, sagra-se vencedor do festival - acontecimento que dará início à sua carreira musical. Sobre esse festival Fagner relatou:
Eu comecei em 1968 com Marcus Francisco, fizemos a primeira música, ela ganhou no IV Festival de Música Popular do Ceará. No Teatro José de Alencar, isso pra mim foi muito forte, foi o começo de tudo. (...) Não peguei o pessoal do Cactus, do Gruta eu já peguei em uma viagem. Após ganhar o festival, fui convidado pelo Cláudio Pereira, eu e o Marcus, para irmos à viagem que eles iam todos os anos, da “Capela Sistina”, fomos à Argentina, foi uma viagem maluquíssima, mas para mim foi fantástica...
Fagner ganhou o IV Festival com Nada Sou, canção que, aliás, nunca foi gravada por ele.
Eu não sou eu
Sou enxada no barro do chão
Sou sertão
Eu não sou fé
Sou pecado no corpo fechado
De Lampião.
Sou espada, sou granada, sou toada
Na voz do cansado cantador
No grito do chato agitador
É pensando na morte o que eu peço:
Eu quero de volta o meu ingresso
E o chefe envolvido num processo
No apito da fábrica apitando
Na canção que os meninos vão cantando
Sem saber que cantando vão chorando
Estefânia parou de cantar
Ouço o eco do choro no mar...
No ronco dos carros na sexta
Cabeças de vento em festa
Alguém me pedindo em festa
Alguém me pedindo perdão
Por falar e mandar sem razão
Não aceito motivo, não dou...
Eu não sou eu
Sou panfleto voando e rolando do avião
Eu não sou fé
Sou pecado de amor se expressando na
canção
Sou espada.
Sou granada.
Sou toada.
Eu não sou eu:
Sou um Deus a pedir holocausto de outro
Deus (bis)
Deus a Deus!
Deus a Deus!
Deus a Deus!
Iniciar uma trajetória artística no meio de toda aquela efervescência, logo com sua primeira composição ganhando festival, seria grande estimulo para qualquer um. E os parceiros do Colégio da Piedade, Fagner e Marcus Francisco, não perderam tempo e compuseram outra canção, Luzia do Algodão, inscrevendo-a imediatamente no festival que teria início em seguida, na primeira semana de dezembro de 1968, o I Festival de Música Popular Aqui.
Diante do convite de Pereira para viajar, Fagner exigiu que seu parceiro Marcus Francisco também fosse. Contudo, por ser Fagner menor de idade, Cláudio Pereira foi pessoalmente à sua casa pedir autorização de seu pai, que foi concedida. Essas viagens chegavam a durar cerca de 45 dias em ônibus semi-leito, públicos ou alugados, desprovidos de toilettes. Especialmente na memória de Fagner, o percurso da viagem passou por Salvador, pelo carnaval do Rio de Janeiro, pela festa da Uva em Caxias do Sul, pelo Uruguai e Argentina. Enquanto Cláudio Pereira, em suas reminiscências, revelou que ele alugava o ônibus público, sendo o preço dividido pela maioria e alguns convidados não pagavam, como Fagner e Fausto Nilo. Revelou ainda que, em seu percurso, passaram por Brasília e as cidades históricas de Minas Gerais.
Dessa tríade, universidade, lares e bares, não necessariamente nessa ordem, nasceu o engajamento político da classe média de estudantes cearenses, também nas viagens do Gruta. Além desses espaços, outros representaram a exposição pública e iniciação desses jovens artistas – os programas “Porque Hoje é Sábado”, “Gente Que a Gente Gosta” e “Show do Mercantil”-, levando-os a conhecer nomes consagrados e também o desejo de encarar a condição social de artista, deixando Fortaleza para o eixo Rio de Janeiro – São Paulo (tocando no bandejão da USP, em seguida no programa “Proposta”, de Júlio Lerner), usando os festivais como vitrine na busca do tão esperado sucesso. Particularmente o Festival do Ceub, que teve Fagner como grande vencedor, e o IV Festival Universitário da Música Popular Brasileira, vencido por Belchior, em 1971, foram importantes, abrindo assim maior espaço para que outros compositores, intérpretes e instrumentistas do estado pudessem sobreviver de seus trabalhos.
Colaboração do Prof. Wagner Castro.
Um comentário:
Olá,acho que esse texto tem um equívoco sobre o resultado do festival,pois "canto primeiro",de Lauro Benevides, tirou o primeiro lugar com 308 votos,e "Nada "Sou ,de Fagner e Francisco, segundo lugar,com 221 votos.Qualquer dúvida,consultar na pagina do fagner.
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